31/10/2015

Especial Halloween: A Casa de Bonecas


As paredes de madeira lisa eram arranhadas pelo som estridente de unhas pontiagudas. As correntes chocavam uma contra a outra formavam um barulho agudo de funções ensurdecedoras. O tilintar de louça de porcelana atracada contra o chão.

As velas dos candelabros quase se findavam, em um pequeno amontanhado de cera que escorria pelas extremidades dos objetos. A iluminação precária fazia os dedos gélidos de minhas mãos suarem como nunca antes, e ainda trêmula, avancei pelo cômodo perturbador.

Bonecas de porcelana estavam dependuradas, que incindiam do teto, escorrendo pelo fio grosso até metade do cenário. Eram bonecas cujas feições imitavam com tamanha perfeição a face humana. Seus olhos de íris coloridas eram tão brilhantes que em muito pareciam reais.

As bonecas enfeitavam o cômodo, e apesar de cobrirem boa parte das paredes, ainda não eram capazes de esconder os arranhões de garras afiadas, a tinta vermelha em sangue que já estava seca na parede, mas escorrida anunciava repetidamente as palavras "Salvem-nos".

O som das correntes tornavam-se estridentes, somando-se aos chiados soltos pelo escuro. Fui até o meio do cômodo, abafando o lamurioso ruído que chegava. O clima não poderia estar mais tenso. Meu coração já batia tão acelerado, descompassado dentro de mim em um ritmo frenético que puxava e retraía, quando aquela mão pesada pousou sob meu ombro.

- Ótimo lugar para um primeiro encontro! - debochei, virando-me para encarar a feição assombrada do rapaz que acabara de chegar. Bernardo possuía as vestes amarrotadas, e sujas pelos ferrões do portão que certamente ele havia pulado. Seus olhos azuis me encaravam de cheio, com um brilho tão intenso que eu poderia passar a noite toda a encará-los, esquecendo das bonecas que antes me causavam nervoso.

- Ora, É Halloween, Natalie! - respondeu ele, apertando delicadamente em um gesto de carinho minha bochecha. - Não vejo lugar melhor para isso. Além do mais, você sabe que tudo o que ronda estes arredores são lendas urbanas, certo?

Assenti, pegando em sua mão. Já havia ido longe demais por aquilo, e agora nem adiantaria voltar atrás. Deveríamos encarar a casa de horrores, por mais que minha consciência gritasse que devêssemos ir embora de vez.

- Só você mesmo, viu. Para me meter nestas enrascadas. - nos entreolhamos, seguindo rumo para o próximo cômodo com as lamparinas tremeluzentes.

- Prometo que te manterei segura. - ele deu um sorriso de canto, apoiando o braço sob meus ombros. 

- É mais fácil eu proteger você! - afirmei, e ele me lançou um olhar de esguelha. 

A Casa de Bonecas estava há tempos interditada. O encanamento já não mais funcionava, as instalações elétricas eram pífias, e toda iluminação que contávamos no momento era das velas infindáveis que incindiam sob os candelabros podres.

Os pisos de ladrilhados xadrez bambeavam conforme nossos pés tocavam o chão. O ruído das correntes intensificava, o cheiro de sangue invadia nossas narinas, me embrulhando o estômago. Daquela vez, o odor era bem mais forte do que no outro cômodo, e avançámos conforme nossas mentes mantinham-se curiosas, mas ainda receosas de que o cheiro de sangue fosse mais recente do que pensamos. 

Mas não seria possìvel. Não, não! A Casa estava interditada e não existia nenhuma presença ali além de mim, Bernardo, e as Bonecas que em cada canto da casa estavam.

- Não estou gostando disso, Ber. Vamos embora! - o puxei pelo braço, mas ele apenas afirmou. 

- Eu já disse que te protejo. Fique sossegada! 

- Sei me cuidar sozinha, Bernardo. Mas você sabe que sou sensitiva. Não tô gostando desse lugar. 

Ele se virou para mim, desta vez, olhando-me profundamente nos olhos. 

- Tudo bem! Devo respeitar sua vontade. É só que, eu gostaria que fizéssemos algo diferente. Sabe como é, primeiro encontro. 

- Venha, vamos sair daqui! - peguei novamente em sua mão, já dando meia volta para deixarmos o local, quando as portas bateram. 

- Caramba! - arregalou os olhos para mim. - Deve ter sido o vento, Natalie! Só isso. 

Olhei para sua feição assombrada. Seus olhos quase saltaram das órbitas, sua pele esbranqueceu. 

- Olha só quem está com medinho agora! - satirizei, indo em direção à porta. - Não tá abrindo. 

Antes que ele pudesse responder, seu corpo foi jogado para trás em uma rajada só, prendendo nas correntes  de ferro que agora emitiam mais barulho. 

- Bernardo? - gritei desesperadamente, correndo em sua direção. As bonecas de porcelana despencaram de uma vez só em minha face, me envolvendo num emaranhado. 

Uma delas ficou bem à minha frente. Seus olhos de bolinha de gude estavam vívidos. Um sorriso surgia na face gélida.

- Ahhh! - gritei fortemente, afastando as bonecas de mim. Mas quanto mais o fazia, mais elas se aproximavam. 

Os ruídos na escuridão foram substituídos por um som abafado e repetitivo que dizia: Salvem-nos. 

★★★★★★★

Acordei em minha cama, olhando meu relógio de pulso que estava sob o criado-mudo. Eu iria me encontrar com Bernardo na Casa de Bonecas, pois aquele seria nosso primeiro encontro. 

- Ah, que sonho estranho! - pensei, não conseguindo conter meu nervosismo pelas bonecas assombrosas. 

Me guiei até a escrivaninha. A mesa estava uma baderna, mas a primeira gaveta estava metade aberta.

Não costumava ser tão desorganizada. Mas daquela vez, a gaveta não estava fechando, por maior a força que eu impunha nisso. 

- O que é isso? - exclamei, abrindo a gaveta por completo e deixando a mostra a boneca de porcelana que ali estava. 

Ela usava um vestido de seda azul escuro de olhos incrivelmente castanhos e chamas flamejantes na cabeça. 

Ela parecia comigo. Uma cópia idêntica minha em face gelada de porcelana.

- Não! - exclamei a tomando em minhas mãos. 

Aquilo só poderia ser uma brincadeira de péssimo gosto. Num impulso, joguei a boneca contra a parede de meu quarto, e logo ela se quebrou em mil pedaços pelo chão. 

Da cabeça da boneca um líquido pastoso fluiu. Era vermelho e de cheiro forte.

Aquilo era sangue. Sangue humano! 

Dei dois passos para trás, na tentativa de me afastar do sangue que corria e delineava os móveis de meu quarto. 

O sangue tomou forma. E no piso de meu quarto, formou-se a palavra: Salvem-nos. 

(Conto baseado nos livros da Trilogia Meninas de Seda - meus livros).

4 comentários:

  1. Uau! É o primeiro conto que leio que seja escrito por você. E já me deu vontade de ler muito mais! Parabéns, adorei!
    Abraços!

    http://livrosperfeitosmsoffiati.blogspot.com.br/

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    1. Muito obrigada, Maria! ♥
      Espero que possa continuar a ler meu pequeno mundo literário, rs.

      Abraços.

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  2. Nossa, ficou bem tenso e misterioso. Quero ler mais!!! Onde pretende publicar?Gosto muito de conhecer escritores novos. Parabéns.

    Ah! te marquei em uma TAG, depois passa no blog para conferir.

    Beijos.


    blogcoisastriviais.blogspot.com

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    1. Oii, Beto. Muito obrigada!
      O conto era apenas essa parte mesmo, rs. Mas o livro pretendo publicar logo.

      Até mais (vou correndo ver a TAG).

      Abraços.

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